quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Em face dos últimos acontecimentos


Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos

e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?


Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond

domingo, 23 de setembro de 2007




"É na verdade inacreditável o quanto insignificante e vazio de sentido, visto de fora, e estúpido e irrefletido, apreendido de dentro, é o curso da vida da maior parte dos homens. É uma espera tola e preocupante, uma marcha titubeante através das quatro idades da vida, até a morte, na companhia de uma procissão de pensamentos triviais. Eles assemelham-se a relógios que são montados e funcionam sem saber por quê; e cada vez que um homem é gerado e nasce o relógio da vida humana é novamente montado, para repetir mais uma vez seus inumeráveis estribilhos, frase por frase, medida por medida, com variações insignificantes. Cada indivíduo, cada rosto humano e o curso de sua vida é apenas um sonho curto a mais do infinito espírito da Natureza, da obstinada vontade de viver, é apenas mais uma imagem fugidia, que a brincar ela esboça em sua tela infinita, o espaço e o tempo, e em apenas um momento, que comparado com aquele é ínfimo, deixa existir e depois é apagada, para dar lugar a outras."

Arthur Schopenhauer

sábado, 22 de setembro de 2007

Narcisus

Narciso foi o que narciso foi?
Narciso quis o que não foi,
ou foi o que não quis?
Porque se quis, mas não foi,
o que se diz?
Foi feliz?
Ou não quis?

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Vazio

Ante a vertigem do verbo eu me curvo,
vazio, vazado, violado, violentado, valorado, vivificado, esclarecido, emancipado e dissipado!
Mordazmente crucificado, ardorosamente sacrificado, mumificado, surrado, e depois... abalado, calado...
A boca! Língua, dentes e lábios! Tons, sons, suspiros e cores... tambores!
Amor, calor, ardor... horror, pavor! A voz, o verbo... fúria, luxúria, penúria e explosão!
Ahhh! o cansaço, a solidão, a paixão!
Um Não, uma canção, e depois: o silêncio...
Para!
O corte, a sorte, o tempo,
a morte...
Um Sim pelo belo e pelo triste! Pelo indeterminado, pelo engajado! Pelo fardo que carrego e -- por que não?
Pelo sombrio pavor da solidão...
"O Sentido e a essência não se encontram
em algum lugar atrás das coisas,
senão em seu interior, no íntimo de todas elas."
(Hermann Hesse)